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quarta-feira, 5 de março de 2008

Escrever não é fácil

Gosto muito desta frase "Ler mais e publicar de menos". Muitos pseudo-autores buscam apresentar de forma imatura e apressada suas produções sem levar em consideração o papel social, intelectual e estético de um texto. Lobo Antunes, um dos maiores romancistas da autualidade, afirma que "É preciso muito sofrimento para escrever bem. E para tocar os outros". Reconheço que para escrever bem é um longo processo, pois esse ato não se resume apenas a respeitar as normas vigentes da escrita, mas atuar no ser dos outros e estar constantemente se construindo. Hoje, devido as facilidades de publicação e também ao poder aquisitivo de alguns, temos as mais variadas aberrações no nosso cenário como poemas eróticos dedicados a amigos, panorama da literatura feita no estado contendo os mais diversos erros, crônicas forçadas que nada dizem, ou melhor, em nada acrescenta para mundo.
A essas figuras deveriam ter a humildade de reconhecer que inteligencia é para poucos e talento se desenvolve com o tempo.

domingo, 2 de março de 2008

Kafka a descoberta absurda

Confesso que Kafka constituia para mim um desses autores que volta e meia sempre ouvimos falar e que aprendemos a respeitar. Até então minha visão sobre ele se resumia a leitura de Metamorfose na adolescência e o filme O processo. Mas tudo mudou. Com a leitura de Carlos Nelson Coutinho (Lukács, Proust e Kafka Literatura e sociedade no século XX) e principalmente o de Ricardo Piglia (O último leitor) em que cada um tratou sobre esse autor do absurdo é que me veio o estímulo a leitura de suas obras. Envolvi-me abertamente nesta atmosfera kafkaniana e me perdi. Como um autor consegue ser tão genial. A sua leitura é um perde-se para depois ficar mais perdido ainda. Estou entregue ao seu mundo e recomendo a todos a sua descoberta.

Modesto Carone e Kafka

Críticas e Resenhas


INEVITÁVEL NONSENSE
Na coletânea de contos Por trás dos vidros, Modesto Carone trata de uma incômoda falta de sentidoMarcio Renato dos Santos • Curitiba – PR
Por trás dos vidrosModesto CaroneCompanhia das Letras201 págs.
Divulgação
Modesto Carone: frágil limite entre sonho, delírio e ação.Às vezes, parece que nada faz sentido. Muitas vezes, é possível cogitar que falta sentido. Em tudo. Para tudo. Sobretudo. Há quem tenha a percepção de que, na maior parte das situações e ocasiões, nada tem nem faz sentido. Um destino humano se dá por caminhos, circunstâncias e atitudes nem sempre coerentes. Então, se um dia um sujeito acorda metamorfoseado em um inseto, é possível que o tradutor da obra de Franz Kafka no Brasil se transforme em escritor e ofereça aos leitores uma ficção permeada pelo nonsense.
Por trás dos vidros traz 49 contos de Modesto Carone. Todos eles, alguns inéditos e outros já publicados em livros, caracterizados por problematizar a falta de sentido. Foram escritos com linguagem clara que propõe comunicação com o leitor. Mas são enredos que têm a finalidade de provocar estranheza. E podem provocar estranheza no público receptor por que tratam de situações que podem ter tudo, tudo, menos sentido.
Na ficção de Carone o limite entre o que pode ser sonho, delírio e ação é frágil. De repente, um personagem encontra um cadáver enforcado dentro do guarda-roupa. Outra voz, em outro texto, sugere: "Como as imagens poéticas não mudam o mundo, dei a partida e fui para casa aliviado por não pensar em mais nada". Personagens, outros, entorpecidos pela realidade, buscam inéditas Pasárgadas. Numa aleatória página do livro se lê: "Órbitas acesas como pedras de carvão". Um personagem tem a mão decepada. Outro tem a convicção de que determinado mês é feito somente a partir de crueldades. Um terceiro busca refúgio dentro de uma caixa d'água. Um quarto mata, literalmente, o pai. E sombras acompanham os personagens caronianos - da mesma forma que fazem companhia a humanos da realidade real.
Contraponto ao real?Os desdobramentos, caminhos e descaminhos da realidade real, apesar da ilusão de que algo pode vir a fazer sentido, insistem em afirmar, e confirmar, que a única certeza é o nonsense. E a proposta ficcional de Modesto Carone dialoga com isso. Os destinos dos personagens caronianos não têm sentido. Seja o personagem que quase consegue ter uma relação com uma bailarina. Seja o personagem que não sabe em que cidade está e sequer pode precisar se sonha ou está acordado. Seja o sujeito que depois de ser assaltado decide beber café e não pensar em nada. Seja o burocrata que não vê saídas no labirinto em que está enredado, preso e engessado. Seja o escritor em crise de criação e de relacionamento. A falta de sentido é elemento comum entre esses e os demais personagens caronianos.
E a falta de sentido dos personagens caronianos estabelece conexões com o nonsense dessa obra inacabada que é a vida de qualquer personagem. Afinal, nenhum Moisés pisa na terra prometida, nenhum Jamil Snege desfruta de aplauso e glória por uma produção genial, nenhum Newton Sampaio é profeta em sua terra. Antes, as teclas do piano são de borracha, onde queres revólver há coqueiros, o próximo passo não passa de precipício - e o sonho se confunde com realidade, e a realidade se traduz em inescapável pesadelo.
Então, casualmente, um interlocutor sintoniza a FM ficção Modesto Carone e a freqüência induz, seduz a um estado de estar e ser que desestabiliza por soar próximo e desestrutura qualquer certeza por ruir todo solo presente e qualquer futuro. Um personagem tem os pêlos do corpo a crescer e a única surpresa é que não há nem haverá salvação, redenção nenhuma, apenas o deixar estar, ruir, perecer, falir.
E assim a ficção de Carone insinua uma contraposição ao real, parecendo inventar absurdos, mas o que é mais absurdo que a realidade real, tão próxima de qualquer pulsante ser?
O processoE se um dia você, que paga todos os impostos, você, que jamais furou o sinal vermelho, você, que acredita nos eleitos pelo processo democrático, você, que tem esperança na realização dos projetos governamentais anunciados para melhorar a educação do povo brasileiro, você, que honra todos os compromissos, então, um dia, você recebe na porta da sua casa, por meio de uma voz oficial, a notícia de que não tem mais o direito de ir-e-vir e se entrega sem questionar mesmo sabendo que nada fez para receber tal sentença: o inesperado chegou e o processo está instalado.
Supostos absurdos inesperados estão distribuídos em meio às páginas de Por trás dos vidros, mas surpresas imprevisíveis e fatais acontecem desde sempre e desde muito, e não foi assim com aqueles que embarcaram em caravelas navegando em águas nunca antes navegadas? E quem poderia prever que tempos, tempos, tempos depois iria surgir uma meridional cidade chamada Sorocaba, onde em 1937 nasceria um sujeito que se chamaria e se chamou e é chamado Modesto Carone? (E então surgiriam textos, escritos, reescritos e no século 21 uma editora paulista publicaria alguns desses textos num livro que, como um todo, trata de supostos absurdos inesperados).
E se um personagem faz anos que passa os dias agachado, é possível a frase "o olho me espia e sua carne é violeta". E se outro personagem abandona o apartamento apenas depois que um corpo entrou em decomposição, também é viável a imagem: "As paredes úmidas absorvem toda sombra de luz; imagino que é assim que alimentam os cogumelos à noite". E se o mundo continua o mesmo apesar de tudo e de tanto e de tanta ação, inação, desação, é bem possível que um livro como Por trás dos vidros tenha ido até as mãos e órbita de um sujeito que a vida também transformou em resenhista e que este sujeito, de repente, apesar de tantos outros livros ao redor, tenha lido o livro e, numa coincidência inacreditável, o resenhista, que poderia ter feito e mesmo estar fazendo tantas outras ações, quem sabe, escreveu um texto sobre o livro que trata literariamente da falta de sentido em tudo, e - quem sabe? - o Rascunho ainda publique a tal resenha.
TRECHOS • Por trás dos vidros
É tarde, a chuva bate nos vidros, ele está sentado num canto da sala. Talvez apóie o rosto numa das mãos ou cruze as pernas mas não se percebe nenhum movimento. A obscuridade é maior porque as cortinas estão descidas e a luz só filtra por algumas frestas. Não é possível registrar nada com nitidez, ele está parado ou parece parado na poltrona do canto da sala.(do conto O Natal do viúvo)
Pelas vidraças da casa de chá posso ver a fachada maciça da estação de ferro. As cúpulas de cobre estão fora de foco porque a temperatura baixou e o nevoeiro gelado começou a descer. A praça é oval, o pavimento de pedra brilha sob um reflexo instável e o relógio da estação está marcando quatro e meia. É inevitável que daqui a pouco ele soe claro como uma caixa de música holandesa.(do conto Por trás dos vidros)
Contar é o método mais eficiente que consegui desenvolver para impedir a manifestação dos urros; tanto que eles emudecem assim que o cortejo dos números parte do cérebro para a boca. O avanço é decisivo em primeiro lugar porque desmente a versão de que sou um idiota capaz de pensar; em segundo porque é desse modo que concilio o sono.(do conto Desentranhado de Schreber)
Surpreendi o esquilo na escrivaninha quando me sentei para responder a uma carta de pêsames. Embora esse tipo de obrigação me incomode, naquele momento meu limiar de resistência tinha chegado a um nível razoável. Foi estimulado por ele que resolvi dedicar uma parte da manhã à expressão dos meus sentimentos.(do conto Corte)
Desde que descobri o cadáver do enforcado no meu guarda-roupa passei a me vestir com mais cuidado. Antes bastava que uma calça ou camisa cobrisse o corpo para que eu as considerasse adequadas.(do conto O espantalho)
O AUTORModesto Carone nasceu em Sorocaba (SP), em 1937. Já atuou como jornalista. Também lecionou literatura em diversas universidades, no Brasil e exterior. Escreveu dois livros de ensaios, três de contos e o romance Resumo de Ana. A coletânea Por trás dos vidros reúne contos publicados nos livros As marcas do real (1979), Aos pés de Matilda (1980) e Dias melhores (1984) e textos editados em revistas e jornais. Carone é o tradutor da obra de Franz Kafka no Brasil.

Os livros que não lemos

Os livros que não lemos
por Umberto Eco
DIVULGAÇÃO
Cena de Ulisses, adaptação dirigida por Joseph Strick, 1967
Lembro-me (mas, como veremos, isso não significa que eu me lembre direito) de um belíssimo artigo de Giorgio Manganelli, no qual ele explicava como um leitor requintado pode saber que um livro não é para ser lido mesmo antes de abri-lo. Ele não estava se referindo àquela virtude que muitas vezes se exige do leitor profissional (ou ao amador de bom gosto), a de conseguir resolver por algumas palavras iniciais, por duas páginas abertas ao acaso, pelo sumário, não raro pela bibliografia, se um livro vale a pena ou não ser lido. Isso, diria eu, são ossos do ofício. Não, Manganelli se referia a uma espécie de iluminação, da qual, evidente e paradoxalmente, se arrogava o dom.Como falar dos livros que não lemos?, de Pierre Bayard, psicanalista e docente universitário de literatura, não trata de como saber se devemos ler um livro ou não, mas de como se pode falar tranqüilamente de um livro que não se leu, mesmo de professor para estudante, e mesmo em se tratando de um livro de importância extraordinária. Seu cálculo é científico: os acervos das boas bibliotecas contêm alguns milhões de volumes, e mesmo que leiamos um volume por dia, leríamos apenas 365 livros por ano, 3.600 em dez anos, e entre dez e 80 anos teríamos lido apenas 25.200 livros. Uma inépcia. Aliás, quem quer que tenha tido uma boa educação secundária sabe perfeitamente que pode acompanhar um raciocínio sobre, digamos, Bandello, Boiardo, inúmeras tragédias de Alfieri e até sobre As confissões de um italiano [de Ippolito Nievo] tendo aprendido sobre eles apenas o título e a classificação crítica na escola. O ponto crucial, para Bayard, é a classificação crítica. Ele afirma, sem o menor pudor, que nunca leu o Ulisses de Joyce, mas que pode falar sobre ele aludindo ao fato de que se trata de uma retomada da Odisséia (que ele, aliás, admite não ter lido por inteiro), que se baseia no monólogo interior, que se passa em Dublin em um único dia etc. Assim escreve: “Portanto, em meus cursos acontece com certa freqüência que, sem pestanejar, eu mencione Joyce”. Conhecer a relação de um livro com outros livros não raro significa saber mais sobre ele do que o tendo lido.
Bayard mostra que, quando começamos a ler livros há certo tempo negligenciados, percebemos que conhecemos seu conteúdo porque entrementes havíamos lido outros livros que falavam deles ou se moviam dentro da mesma ordem de idéias. E (assim como faz algumas divertidíssimas análises de textos literários em que se trata de livros nunca lidos, de Musil a Graham Greene, de Valéry a Anatole France) honra-me ao dedicar um capítulo ao meu O nome da rosa, no qual Guilherme de Baskerville demonstra conhecer muito bem o conteúdo do segundo livro da Poética, de Aristóteles, que ainda assim ele tem na mão pela primeira vez, simplesmente por deduzi-lo de outras páginas aristotélicas. Veremos depois, no final dessa Ecco!, que não menciono esta citação por mera vaidade.A parte mais intrigante desse panfleto, menos paradoxal do que poderia parecer, é que esquecemos uma porcentagem altíssima até daqueles livros que lemos realmente. Aliás, compomos uma espécie de imagem virtual a seu respeito, imagem feita nem tanto do que eles diziam, e sim do que fizeram passar em nossa mente. Por isso se alguém que não leu determinado livro citar para nós passagens ou situações ali inexistentes, somos mais que propensos a acreditar que o livro fala realmente daquilo. É que Bayard não está tão interessado em que as pessoas leiam os livros alheios, mas antes no fato de que cada leitura (ou não-leitura) tenha de ter um aspecto criativo e que (utilizando palavras simples) em um livro o leitor tenha de colocar, antes de tudo, farinha de seu saco. A ponto de auspiciar uma escola em que – já que falar de livros não lidos é uma maneira para conhecer a si próprios – os estudantes “inventem” os livros que não deverão ler. Exceto o fato de que Bayard, para mostrar que ao se falar de um livro não lido até quem o leu não percebe as citações erradas, lá pelo final de seu discurso confessa ter introduzido três notícias falsas no resumo de O nome da rosa, de O terceiro homem, de Graham Greene, e de A troca, de David Lodge. O caso divertido é que, ao ler, percebi de imediato o erro sobre Greene, tive uma dúvida a propósito de Lodge, mas não tinha percebido o erro a propósito de meu livro. Isso significa que provavelmente não li direito o livro de Bayard ou então que eu apenas o folheei. Mas a coisa mais interessante é que Bayard não se deu conta de que, ao denunciar seus três (propositais) erros, assume implicitamente que há, dos livros, uma leitura mais correta do que outras – tanto que, dos livros que analisa para sustentar sua tese da não-leitura, dá uma leitura muito minuciosa. A contradição é tão evidente que dá margem à dúvida de que Bayard não tenha lido o livro que escreveu.

É possível vida inteligente na adolescência

Acontecem coisas nos nossos dias que nos surpreendem. Fazer o casamento entre a leitura e a escrita é uma delas. Fazer com que isso seja harmonioso e constante constitui um imenso desafio em mundo tão imediatista e midiático.
Os alunos do ensino médio do Colégio das Irmãs deram-me uma lição de que isso é possível. Através de uma pequena iniciativa, com um pouco de motivação, eles simplesmente invadiram as livrarias de Teresina em busca de obras como Travessuras da menina má, Tia Júlia e o escrivinhador de Mário Vargas Llosa, Dois Irmãos e Cinzas do Norte de Milton Hatoum, O estrangeiro de Albert Camus. Diante de tanta empenho fiquei assustado e ao mesmo tempo orgulhoso em orienatá-los na consolidação do sentido que "cada leitura realizada é um melhor conhecer de si".

O meu mundo é do tamanho do meu vocabulário

O presente blog tem como responsabilidade a divulgação e interação de conteúdos para o desenvolvimento intelectual e humano dos seres dotados de capacidade de pensar. Busco realizar através desse meio um acesso fácil e provocador sobre as mais diversas áreas tais como cinema, literatura, arte e história.