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sexta-feira, 12 de março de 2010

Entrevista com Vila-Matas sobre O Ausente Presente por Sérgio Miguez

Enrique Vila-Matas é um dos mais proeminentes escritores da atual literatura hispânica, nasceu em Barcelona em 1948 e já lançou 28 títulos em mais de 20 países. Seis de seus livros foram traduzidos para o Brasil: A viagem vertical, Bartleby e companhia, O mal de Montano, Paris não tem fim, Suicídios exemplares e acaba de sair do prelo Doutor Pasavento. Consagrado em 2006 com o prêmio da Real Academia Espanhola, uma de suas características é misturar sem medo ensaio e ficção, isso levou o crítico José Castello a dizer que sua obra “exige o aparecimento de um novo tipo de leitor, nem passivo nem ativo, mas desarmado e disposto a se deixar perturbar pelo que lê”, e a jornalista Bia Abramo a assinalar: “É um escritor singular, tão singular quanto os personagens que habitam seus livros”. Ao retratar, em três novelas, algumas das patologias que abalam grandes escritores, criou uma espécie informal de trilogia nomeada Catedral metaliterária, usando a literatura como marco de reflexão e ponto de fuga. Por essas e outras, a narrativa de Vila-Matas é leitura instigante e intrigante. A seguir, o autor com a palavra, numa pequena entrevista feita por e-mail e, surpreendentemente, respondida quase no mesmo instante.

Qual o papel da literatura no mundo de hoje?
Non olet (não cheira), foi a expressão que utilizou o imperador romano Vespasiano em relação ao dinheiro, em resposta a seu filho Tito Lívio quando este o recriminava quanto à cobrança de impostos pelo uso dos mictórios públicos. Hoje em dia, quando tudo gira em torno do dinheiro, é impossível que o pensamento e a arte literária ocupem lugar central. O máximo que temos é uma “cultura do ócio”. Nessas complicadas circunstâncias, os verdadeiros escritores fazem o que podem.

Pode-se dizer que um dos temas centrais de Doutor Pasavento é a necessidade
Aparentemente, o livro gira em torno do tema do desaparecimento. Um escritor consagrado deseja deixar de ser visto (quer se ocultar, à maneira de Salinger), decide que não quer escrever para logo ter de ser entrevistado e fotografado. Ao tentar desaparecer, descobre que ninguém se preocupa que tenha sumido. Isso o faz sentir-se ainda mais só do que acreditava estar.

A experiência literária existe sem a experiência de vida?
Vida e literatura seguem unidas em franca camaradagem. Nesse mundo, não há nada que não esteja ligado.

Como surgiu a ideia para sua Catedral metaliterária? O que existe por trás disso?
Sem que eu tenha planejado previamente, Bartleby e companhia, O mal de Montano e Doutor Pasavento pertencem a um mesmo impulso criativo. Analisam três patologias dos escritores. O silêncio (Bartleby), a literatura como droga (Montano) e a necessidade de não ser visto, de escrever na sombra (Pasavento).

Ensaio e ficção se misturam em Doutor Pasavento. Qual a importância e o objetivo disso?
A forma literária que emprego une ficção e ensaio sem permitir que se note o salto de um gênero ao outro. Na minha cabeça, não existem compartimentos fixos, não coloco fronteiras entre os gêneros. Pensamento e ficção caminham juntos.

“Pensar que somos o que cremos ser”, no dizer de Pasavento, é uma viagem transformadora ou uma armadilha nefasta?
Eu sou outro. Se isso fosse verdade, seria um consolo. “Não sou desenraizado: simplesmente não tenho raízes”, diz. Qualquer simulacro de enraizamento que não seja metafísico, metabiológico ou metatemporal, o rechaço, o vômito… A única verdade que me ilumina, que me dá esperança é o “eu sou outro”.

Quais são os escritores e as obras fundamentais em sua vida?
Digamos que, no século passado, não havia nada superior à profunda e profética obra de Kafka.

O que você está lendo agora?
William Gaddis, Flann O’Brien, Roberto Bolaño, Maria Alzira Brum Lemos.

Em que trabalha neste momento?
Publico na França e na Espanha minha nova novela Dublinesca e o breve ensaio narrativo Perder teorias. E estou escrevendo meu novo livro Doctor Finnegans y monsieur Hire.©