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segunda-feira, 5 de abril de 2010

Revista Desenredos

EDITORIAL

Além das seções já conhecidas por nosso leitor, a revista dEsEnrEdoS traz, nesta edição, seu primeiro dossiê: Caminhos do regionalismo, onde pesquisadores de diversas instituições espalhadas pelo Brasil demonstram a complexidade da noção de regionalismo e sua força operacional, contrariando as expectativas de alguns apologetas da globalização. O lema destes pesquisadores do regionalismo que constam no dossiê pode ser resumido, com feliz precisão, por uma fala capital da pesquisadora Ligia Chiappini, em um texto de 1995: “em vez de explicar a obra regionalista bem realizada, negando sua relação com o regionalismo para afirmar imediatamente sua universalidade, seria preciso enfrentar, pela análise trabalhosa de cada caso, a questão de como se dá a superação dos limites da tendência, de dentro dela mesma, pela potencialização de suas possibilidades artísticas e éticas”.

Chegamos a esta edição no momento em que o país ainda se recente da perda de Wilson Martins (1921-2010), um dos mais importantes e polêmicos intérpretes de nossa cultura.

Wilson Martins ousava uma atitude que a crítica oriunda das universidades morre de medo: emitia juízos. Os textos frutos das pesquisas universitárias ou trabalham com o já canonizado – o que pressupõe a desnecessidade de ajuizamentos valorativos, pois o que é canônico deve ser bom – ou passam por cima dessa questão porque o que interessa é usar o texto literário como pretexto para fazer política cultural. Os exemplos extremos – mas que, curiosamente, podem andar juntos – são a semiótica e os estudos culturais. A semiótica traz fôrmas universais que podem ser aplicadas indiferentemente à Divina Comédia ou às letras do Babau do Pandeiro. Já os estudos culturais consideram que a crítica é o campo estratégico de batalha contra a hegemonia branca, masculina e européia. Assim, o valor não está na obra, mas no sujeito-emissor e no grupo a que ele reivindica direitos. Tais teorias e suas congêneres, portanto, se eximem de emitir juízos de valoração estética, de separar o joio do trigo.

Comentam-se freqüentemente sobre os “erros” de avaliação crítica cometidos por Wilson Martins. Suas diatribes contra Jorge de Lima, por exemplo, deixaram muita gente incomodada. Mas tinha mesmo que errar muito quem, há décadas, escrevia textos num ritmo semanal. Quem dizia ler um livro por dia. Há erudições seletivas, como a de Harold Bloom, e erudições onívoras, como a de Wilson Martins. Isto, somado à desmitificação do papel social do crítico que ele abraçava como programa, explica porque às vezes construía polêmicas a respeito de obras que não valeriam à pena.

Tanto no campo da pesquisa especializada e de fôlego como na pedagogia literária que Wilson Martins exercia através de seus artigos jornalísticos percebe-se uma marca meio século XIX, que é a confiança absoluta – Jorge Luis Borges diria “clássica” – na potência expressiva da linguagem. A primeira frase do primeiro volume (de um total de sete) da sua pretensiosa História da inteligência brasileira é a seguinte: “A história da inteligência brasileira começa em 1550, quando o Pe. Leonardo Nunes inicia os estudos rudimentares de Latim no Colégio dos Meninos de Jesus, em São Vicente” (2ª ed., 1977, p. 13). Nada de debate metodológico ou epistemológico; nenhuma exposição de controvérsias quanto a datas. De forma semelhante, a introdução aos 13 volumes dePontos de Vista (13 até 1997, podem ser mais) se resume a pouco mais que uma página. Wilson Martins confiava no seu bom gosto e na sua erudição, sem se preocupar em demarcar seu território de atuação ou em expor com exaustão os critérios que guiavam suas escolhas. Isto denotava menos anti-intelectualismo do que anti-exibicionismo. Na zombaria que ele fazia das correntes da crítica literária não havia despeito, mas uma profunda consciência do traço rebarbativo daquelas imensas maquinarias teóricas e de sua curta validade histórica.

Entre a erudição acadêmica e a mera divulgação publicitária de obras literárias, deveria haver um batalhão de Wilsons Martins. O Brasil só tinha um. E é à memória deste homem inconfundível que este número de dEsEnrEdoS é dedicado.

Os Editores