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sexta-feira, 2 de julho de 2010

Novos autores e obras: Vozes do Sotão de Paulo Rodrigues

Zuenir Ventura tem uma posição que compartilhamos prontamente sobre as ameaças apocalípticas do final do século XX e inicio do XXI. Já que não é de hoje que se proclama o fim, por exemplo, da pintura com a invenção da fotografia, do cinema com a televisão, do livro com a internet, do autor, de Deus e tudo mais. Para Zuenir tudo isso não passa de histeria dos receosos da arte de se inventar e reinventar, diz ele: “acho que ocorre convergência e não antagonismo entre as tecnologias. Uma tecnologia nova exige o aperfeiçoamento da anterior, não sua extinção”. Assim diante desta ideia o que devemos observar são as ações do reinventar, do tranfigurar. Portanto, nada o que se move e inova não se extingue o anterior, e sim, acrescenta-se.

Em relação à literatura devemos nutrir o mesmo sentimento. Não se pode dar continuidade a uma tradição, a nosso ver equivocada, que acredita que a boa literatura nacional só foi até a década de 20 do século passado e que dede então não há ou pouco se tem de grandiosas obras em nossas letras. Há sim, muitos autores ainda por serem visitados e revisitados que produziram antes, durante e depois do levante modernista, em sua maioria, autores dignos das nossas melhores observações. No contexto recente de autores com obras marcantes, destacamos dois romancistas: Milton Hatoum e Paulo Rodirgues.

Milton Hatoum, hoje, começa a fazer parte do cotidiano dos bons leitores nacionais que estão inseridos dentro e fora do meio acadêmico. Sua obra tem forte influência de alguns autores consagrados como Proust e Faulkner. O traço memorialista é uma constante em suas obras. Suas produções ainda que pequena em número, ganha ares de grandiosidade na qualidade como Relato de um certo oriente, Dois irmão e Cinzas do Norte todos romances merecedores de admiração e respeito. Acrescenta-se no rol de suas publicações ainda a novela Órfãos do Eldorado e o livro de contos Cidade Ilhada obras essas um tanto aquém quando comparada com as primeiras. Outro autor que deve ter o seu valor reconhecido é Paulo Rodrigues que somente aos 53 anos lançou seu primeiro livro à margem da linha, em 2001. Em 2004 publicou o livro de contos Redemoinho, escrito durante 25 anos. Diz Luiz Paulo Faccioli ao escrever sobre Paulo Rodrigues: “A verdade é que o texto literário — situação que se aplica também às demais artes — não nasce no instante em que o autor se dispõe a escrevê-lo. Semelhante à gestação de um ser vivo, a produção artística começa muito antes de sua realização e nada mais é que o reflexo de um conhecimento sedimentado ao longo do tempo e da interpretação original que der o autor a esse conhecimento”. (Rascunho, 2003)

Na mesma linha de pensamento sobre o seu ato de produzir com parcimônia sua produções afirmou Paulo Rodriques que: “De fato não tenho ansiedade em publicar. Escrever é uma necessidade, publicar pode ou não ser uma conseqüência” (Rascunho, janeiro de 2010).

Em 2009 foi lançado Vozes do Sótão, em que a ideia do livro surgiu a partir das anotações feitas pelo seu padrasto em uma cardeneta há 52 anos. Paulo Rodrigues despertou um forte sentimento de empolgação por parte da crítica e de alguns autores de grande projeção nacional com a sua primeira obra como Raduam Nassar. Nassar chega a afirmar que Paulo Rodrigues “maneja a língua de forma invejável”. Já Luiz Fernando Carvalho diretor cinematográfico que adaptou Lavoura Arcaica para o cinema define a produção de Paulo Rodrigues como uma “travessia interior, uma queda para o alto”.

Vozes do Sótão narra o pequeno drama familiar de um homem simples e confuso, exilado no mundo, num mundo próprio tentando conviver com o passado que se apresenta constantemente em seu ser aterrorizando-o. Já nas primeiras linhas percebe-se o clima desconexo, introspectivo. Alguns fatos mencionados na narrativa lembram alguns contados por Dalton Trevisan. A fragmentação da escrita - influencia marcante de grandes autores como Clarice Lispector - com a intervenção de outras vozes agradam a leitura e insere o leitor nas angustias intimistas do narrador. A polifonia gera a tensão que se mantém durante todo desenvolvimento do enredo.

O relato é subdividido em dois pontos de vista. A voz da narrativa, na terceira pessoa destacado em itálico, descreve de forma objetiva os fatos do narrador (Damiano). Sujeito rejeitado pela mãe e pelo irmão Dagoberto. Estrume esta é a expressão utilizado pela mãe ao refererir-se a Damiano e constitui uma das marcas do desprezo da mãe. Damiano vive de maneira isolada, guardando em sua memória além das trágicas lembranças um estojinho de veludo já bastante desgastado pelo tempo em que depositava alguns objetos que pertenciam a ela.

Faz parte da narrativa uma voz que vem das suas dolorosas marcas do passado, uma voz que emerge do sótão que assombra esse sujeito que tem como profissão ser alfaiate por ser algo obsoleto, demonstrando, no dizer de Lúcia Bettencourt “sua inadequação ao mundo que o repudia mesmo quando tenta integrar-se (Rascunho, dezembro, 2009). É um romance conflitante do inicio ao fim, que nos toma de sobressaltos todas as nossas expectativas sem nos decepcionar no final. Assim, Paulo Rodrigues constitui em uma agradável surpresa em nossas letras. Digno das melhores adaptações de suas obras para o cinema e acréscimo de um contingente cada vez maior de leitores de suas obras.
[Herasmo Braga]

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