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quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Razões que não se explicam

Herasmo Braga
Professor e ensaísta

Macia era a vida
sob as faveiras
antes da faca
dividir o boi
em novas glebas.

Antes que o tempo
fosse cortado
e o gado bravo
fosse levado
no macio andar
dos caminhões.
(Relatório, O tempo consequente)

Antonio Candido, em seu livro Vários Escritos, questiona a, até bem pouco tempo, ausência de Machado de Assis no rol dos grandes autores além das fronteiras do Brasil. Uma das justificativas para esse “esquecimento”, Candido aponta a pouca importância geopolítica que a língua portuguesa exerce no mundo.
Percebe-se, então, que tais observações são plausíveis e dignas de respeito, não por terem sido tratadas por Candido – crítico consagrado –, mas porque tais condições políticas, econômicas e sociais acabam interferindo na formulação objetiva do cânone. Apesar de seu texto ter sido publicado já há algum tempo e, portanto, refletiu o momento histórico daquele contexto, hoje as obras de Machado de Assis começam adentrar o universo dos autores consagrados, graças à iniciativa de críticos de peso, como Harold Bloom, John Gledson, Helen Caldwell, Susan Sontag, David Jackson, Jean Michel Massa entre outros.
Diante desse contexto, podemos observar que isso também acontece com outros autores distanciados do centro, pois eles acabam sendo marginalizados pelos meios intelectuais nacionais. Há inúmeros exemplos que padecem dessa miopia ou manca atuação intelectual, e dentre eles destacamos Hindemburgo Dobal. Vale a pena registrar o nosso desconforto e desconfiança dessa ausência no reconhecimento do vigor poético de Dobal, pois poetas e críticos consagrados já se manifestaram em relação ao poeta, como Manuel Bandeira, que o tratou de “poeta por excelência, um visceral da terra”; e Wilson Martins que afirmou: “O Sr. H. Dobal retransforma a poesia brasileira e folclórica pelo instrumento da poesia erudita e literária”; e Fábio Lucas, que o chamou de “poeta autêntico, de alta consciência verbal e forte expressão lírica”.
Justificativas para isso poderíamos especular diversas, mas uma delas nos parece ser mais aceitável: por conta do nosso isolamento histórico, desde nossa colonização, iniciada nas primeiros currais de pedra, desenvolvemos discursos que nos limitam ao meio. Por conta dessas ações envaidecedoras ou até mesmo de certo receio ao externo, acabamos, com isso, consolidando um sentido de auto-suficiência nocivo para vida cultural local.
Uma outra questão levantada que poderia justificar esse desconhecimento nacional de H. Dobal foi formulado por Ivan Junqueira, em depoimento apresentado no documentário de Douglas Machado, “H. Dobal – Um Homem Particular”, produzido pelo Instituto Dom Barreto e Trinca Filmes. Segundo Junqueira, Dobal não estava vinculado a nenhum grupo literário ou a concepções estéticas em moda da sua época, constituindo-se assim, um poeta singular, que acabou se isolando e ficando restrito apenas ao Piauí. Somando-se essas duas questões, que acabam desaguando no discurso do centro para periferia, e não o contrário, temos motivos que contribuem de forma decisiva para esse desconhecimento nacional do poeta. Outra proposição mencionada diz respeito ao caráter hermético de seus poemas, leitura interpretativa da qual discordamos, pois o que acreditamos é que, na produção do poeta, ele vai buscar em diversos meios e na tradição literária a realização do seu oficio, fundindo e difundindo suas concepções universais utilizando-se da sua terra como matéria a ser lapidada. A materialidade dos seus poemas, Dobal retira dos aspectos do cotidiano, da singeleza das ações e do ato do viver do homem desprovido de sentimentalidades excessivas.
Esperamos diante das facilidades comunicativas de hoje possamos corrigir essa injustiça a um grande poeta. Tirá-lo da nossa exclusividade e levá-lo a degustação de outros sujeitos não só do nosso país continente. Lembrando sempre que para a boa poesia não há fronteiras que se justifiquem.

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