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sábado, 14 de maio de 2011

Sobre os perigos da leitura

Rubem Alves


Nos tempos em que eu era professor da UNICAMP fui designado presidente da comissão encarregada da seleção dos candidatos ao doutoramento, o que é um sofrimento. Dizer “esse entra”, “esse não entra” é uma responsabilidade dolorida da qual não se sai sem sentimentos de culpa. Como, em vinte minutos de conversa, decidir sobre a vida de uma pessoa amedrontada? Mas não havia alternativas. Essa era a regra.

Os candidatos amontoavam-se no corredor recordando o que haviam lido da imensa lista de livros cuja leitura era exigida. Aí tive uma idéia que julguei brilhante.

Combinei com os meus colegas que faríamos a todos os candidatos uma única pergunta, a mesma pergunta. Assim, quando o candidato entrava trêmulo e se esforçando por parecer confiante, eu lhe fazia a pergunta, a mais deliciosa de todas: “Fale-nos sobre aquilo que você gostaria de falar!” Pois é claro! Não nos interessávamos por aquilo que ele havia memorizado dos livros. Muitos idiotas têm boa memória. Interessávamos por aquilo que ele pensava.

Poderia falar sobre o que quisesse, desde que fosse aquilo sobre que gostaria de falar. Procurávamos as idéias que corriam no seu sangue! Mas a reação dos candidatos não foi a esperada. Foi o oposto. Pânico. Foi como se esse campo, aquilo sobre que eles gostariam de falar, lhes fosse totalmente desconhecido, um vazio imenso. Papaguear os pensamentos dos outros, tudo bem. Para isso eles haviam sido treinados durante toda a sua carreira escolar, a partir da infância. Mas falar sobre os próprios pensamentos – ah! isso não lhes tinha sido ensinado.

Na verdade nunca lhes havia passado pela cabeça que alguém pudesse se interessar por aquilo que estavam pensando. Nunca lhes havia passado pela cabeça que os seus pensamentos pudessem ser importantes. Uma candidata teve um surto e começou a papaguear compulsivamente a teoria de um autor marxista. Acho que ela pensou que aquela pergunta não era para valer.

Não era possível que estivéssemos falando a sério. Deveria ser uma dessas “pegadinhas” sádicas cujo objetivo e confundir o candidato. Por vias das dúvidas ela optou pelo caminho tradicional e tratou de demonstrar que ela havia lido a bibliografia. Aí eu a interrompi e lhe disse: “ Eu já li esse livro. Eu sei o que está escrito nele. E você está repetindo direitinho. Mas nós não queremos ouvir o que já sabemos. Queremos ouvir o que não sabemos. Queremos que você nos conte o que você está pensando, os pensamentos que a ocupam…” Ela não conseguiu. O excesso de leitura a havia feito esquecer e desaprender a arte de pensar.

Parece que esse processo de destruição do pensamento individual é uma consequência natural das nossas práticas educativas. Quanto mais se é obrigado a ler, menos se pensa. Schopenhauer tomou consciência disso e o disse de maneira muito simples em alguns textos sobre livros e leitura. O que se toma por óbvio e evidente é que o pensamento está diretamente ligado ao número de livros lidos. Tanto assim que se criaram técnicas de leitura dinâmica que permitem que se leia “Grande Sertão – Veredas” em pouco mais de três horas.

Ler dinamicamente, como se sabe, é essencial para se preparar para o vestibular e para fazer os clássicos “fichamentos” exigidos pelos professores. Schopenhauer pensa o contrário: “ É por isso que, no que se refere a nossas leituras, a arte de não ler é sumamente importante.” Isso contraria tudo o que se tem como verdadeiro e é preciso seguir o seu pensamento. Diz ele: “Quando lemos, outra pessoa pensa por nós: só repetimos o seu processo mental.”

Quanto a isso, não há dúvidas: se pensamos os nossos pensamentos enquanto lemos, na verdade não lemos. Nossa atenção não está no texto. Ele continua: “Durante a leitura nossa cabeça é apenas o campo de batalha de pensamentos alheios. Quando esses, finalmente, se retiram, o que resta? Daí se segue que aquele que lê muito e quase o diz inteiro … perde, paulatinamente, a capacidade de pensar por conta própria… Este, no entanto, é o caso de muitos eruditos: leram até ficar estúpidos. Porque a leitura contínua, retomada a todo instante, paralisa o espírito ainda mais que um trabalho manual contínuo…”

Nietzsche pensava o mesmo e chegou a afirmar que, nos seus dias, os eruditos só faziam uma coisa: passar as páginas dos livros. E com isso haviam perdido a capacidade de pensar por si mesmos. “Se não estão virando as páginas de um livro eles não conseguem pensar. Sempre que se dizem pensando eles estão, na realidade, simplesmente respondendo a um estímulo, – o pensamento que leram… Na verdade eles não pensam; eles reagem. (…) Vi isso com meus próprios olhos: pessoas bem dotadas que, aos trinta anos, haviam se arruinado de tanto ler. De manhã cedo, quando o dia nasce, quando tudo está nascendo – ler um livro é simplesmente algo depravado…”

E, no entanto, eu me daria por feliz se as nossas escolas ensinassem uma única coisa: o prazer de ler! Sobre isso falaremos…

5 comentários:

SINDSERM - PEDRO II - PI disse...

Rubem está com toda a razão. Muitos dos "vomitadores de teorias" se vangloriam de saber bibliografias e citações que muitas vezes nem são importante para eles, mas sim para outros, pois essa postura lhe garantirá reconhecimento e status. Ledo engano.
Talvez essa postura seja o obvio da fraqueza como ser humano em administrar situações mais elementares da vida cotidiana.
“O mundo da imagem” do século XXI em que todos se digladiam almejando sucesso esquece que o equilíbrio entre conhecimento e as relações humanas talvez seja o caminho para a felicidade; claro que nem todos concordam, pois a sociedade capitalista e individual vai de encontro com esse equilíbrio.
Quando se está em determinado estágio de leitura e conhecimento percebemos a necessidade de observarmos fatos do cotidiano e que o caracteriza de fato; e estudioso tem essa obrigação.
O autor alerta não só para importância do conhecimento, mas também como esse conhecimento pode contribuir para sociedade. Um grande sábio não é aquele que acumula bibliografia em seu cérebro, mas aquele que consegue usar o seu conhecimento de forma engajada para sua vida e para a coletividade.

Unknown disse...

o que lemos não entendemos,não ultrapassamo as fronteiras do conhecimento,ficamos presos as leituras rapidas sem um comprometimento daquilo que lemos,quantos livros você leu?quantos obras você? e quando você entendeu tudo aquilo que leu,eis uma questão lemos muito,mas,sera que aproveitamento é tanto quqanto lemos,um leitor é especialista ou um ser que tem capacidade enxerga alem dos outros,uma leitura é igual pra todos,leomos igualmente,existe uma leitura certa ou errada e por que muitos considera bons leitores em relação a outros,hipocrisia total.

Unknown disse...

um texto belissimo,a leitura um caminho que leva varias direções,de quem ler,quem vai escrever e outros mas,mas a leitura em si ,é um roteiro muitp o perigo,existe um competição muito grande hoje em dia ,quem ler mas um livro ,uma obra ,um revista,mas o conhecimento,o que contribuição aquela leitura ira trazer pra leitor,como ler uma bom livro,existe um leitor ideal,sera se existe uma leitura certa ou errada,e as interpretação de quem ler sera condizente com texto,por que os alunos brasileiro nçao entende o que ler,isso é uma realidade muito triste,o que aconteceu para chegamos a este ponto triste,estamos acostumados uma cultura intermiadismo,olha uma revista pornografica é facil,mas ler uma obra que contenha 770 página é dificil para muitos,gasta tempo,não dar,mas leitura ira salva nosso mundo de ilusões,so leitura pode muda o homem animal,vamos educa as crianças pra sere leitores desde pequenas ,quando crescer não tem dificuldades,a leituras é coisa prazeirosa pra quem ler e sabe ler,não decora e sim interpretar

Unknown disse...

um perigo uma leitura sem entedimento daquilo que lemos,senti atráves da palavras,das letras,ler uma ato que envolver dois mundos,quem ler busca encontra um mundo distante e aquele de quem escrever com uma intenção,ninguém escreve no vazio,sem uma intenção,que passa alguma coisa,uma mensagem,que disse algo de alguma forma,é atraves das palavras,das leituras que encontramos verdadeiramente um mundo cada veze perfeito.

Unknown disse...

cnós sejamos multicadores de leitores,como sendo espelho de uma sociedade que ler muito pouco por ano,não chegamos por ano se quiser a ler vinte livros e nem perto chegamos,aonde esta a culpa,sera o sistema que evolui como a globalização,hoje o acesso a leitura é muito infinito ,como no passado era proibido ler livros proibidos,temos chance de ler quanto pudemos ler,não importa a quantidade,mas sim a qualidade do leitor.