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sábado, 14 de novembro de 2009

Crônica: Chaves imaginárias


A escritora e psicanalista Lívia Garcia-Roza em uma entrevista ao jornal literário Rascunho afirmou o seguinte em relação à literatura: “ela nos ordena os pensamentos, nos fornece chaves imaginárias. Ela nos mostra outros mundos, abre janelas em nossa vida, nos mostra outras pessoas, vivendo outras situações, outras histórias, outros enredos. Saímos deste nosso mundo mais fechado, individualizado, e nos abrimos a um mundo muito maior, onde há muitas coisas mais. Sobretudo, a literatura faz cidadãos. É uma forma de a gente se civilizar. Então, não conheço nada mais importante que nos melhore como seres humanos, do que ler livros”. Percebemos com esse depoimento que o universo literário é repleto não só de significados, mas de vivências. É através das trocas de palavras que trocamos experiências e dentro dessa reflexão Lívia Garcia-Roza complementa em sua entrevista: “o que fazermos senão trocar palavras? É isso que a gente faz na vida. Trocamos palavras. E como é importante saber o que o outro disse, o que pensou. Nos términos amorosos, ficamos atingidos quando o outro não nos diz nada, quando sai sem dizer uma palavra”.

Na vida quando há o silêncio ocorre não só reflexões, mas também rompimentos. Os términos são marcados pela ausência de palavras. Quando não há diálogo, não há realizações, não há troca, não há experiências. Viver é sentir e aprender com as palavras. São mais felizes talvez aqueles que lançam palavras espontâneas. Palavras sentidas, metaforizadas. Repleta de significações e possibilidades. Nesse universo de espontaneidade e pluralidades significativas que também encontramos no trabalho literário de qualidade. É nesse momento que a vida se realiza quando há a estetização do real ou ficcionalização real.
Costumamos tomar as coisas, na maioria das vezes, como algo definitivo ou como um fim. Não nos imaginamos em meio a um processo de sentir e aprender. Precipitamos-nos em decisões ou nos afastamos de oportunidades. Assim constituímos nossos dias diante das não realizações. É nessa lacuna de sentimento de autoconfiança que abrimos espaços para as leituras errôneas, para as escritas mal formuladas, para pessoas sem acréscimo. Acomodamos-nos, assim, diante do viver. Não lemos, não escrevemos, não propomos diálogos, não proporcionamos aprendizagens. Vamos vivendo sem nenhum arranhão que nos traga sentido.
O maior patrimônio da humanidade é a sua força criadora. A imaginação é quem move e dinamiza a vida, seja ela em sociedade, seja ela no interior de cada um. A materialização dessa força movedora se dá no momento do pensamento, na junção de palavras e imagens. Nessa aparente fragmentação que nos constituímos. É na ausência das palavras e das imagens que o instante poético perde a sua razão de ser e o nosso de viver.

2 comentários:

Taty.ana disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Taty.ana disse...

Muito legal da sua parte, conciliar a psicologia e a literatura, provando que tudo em nossas mentes vai além de certos esteriótipos.
Abraço.