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terça-feira, 18 de maio de 2010

A cartase do mercado

Em uma das minhas aulas sobre poesia brasileira, discorria sobre uma parte da teorização literária relacionada à estética da recepção. Na análise de uma das teses formuladas por Jauss ocorreu-me a lembrança do escritor Milton Hatoum. Considera-o como um dos mais promissores ficcionistas da atualidade. Hatoum é autor dos romances Relato de um certo oriente (1989), Dois irmãos (2000), Cinzas do norte (2005) e da novela Órfãos do Eldorado (2008) e o livro de contos Cidade Ilhada (2009). Vencedor de vários prêmios literários como o Jabuti com os três primeiros livros. Observei que o tempo da primeira publicação para a segunda foram de 11 anos. Da segunda para terceira 5. Acredito que este distanciamento temporal tenha servido para um melhor lapidação das obras. Esse aspecto fica bem evidente quando se analisa os aspectos estéticos, pois a qualidade da primeira para segunda é notória. Já em relação as últimas obras, principalmente em relação à novela a qualidade estética deixou a desejar. A escrita memoralista das primeiras publicações continua como força motriz do desenvolvimento da narrativa. A descrição de Manaus como componente orgânico, com vivências mescladas entre as inovações, tradições indígenas, espírito cosmopolita e isolamento geográfico e social se fazem presente no enredo. Todavia volto a destacar uma das suas mais recentes produções devido qualidade aquém das demais.
Acredito que esta perda não estar relacionada diretamente na leve mudança de gênero, mas associo a pressa do mercado. Hatoum talvez tenha sido tragado conscientemente ou inconsciente pelo mercado. Escrever requer tempo e dentro de uma atitude iluminista concentração. A escrita de qualidade exige doação, entrega e não de pressa por ter o seu nome circulando em meio ao campo literário. Talvez esse meu pensamento possa estar sendo injusto com alguns produtores de ficção ou não que tem a pressão como umas de suas aliadas dentro do processo de composição. Mas no geral, penso eu, essa necessidade de ter a cada ano uma publicação se encontra mais associada a exigencia mercadológica do que excesso de criatividade.
Não compartilho da ideia de que um escritor não escreva por dinheiro, e sim, por um ideal expressista. As necessidades de toda e qualquer individuo deve ser suprido pela força do seu trabalho, assim, o escritor que tem de sobreviver por mérito de seu ofício. No entanto, ressalvo que não se deve sempre atender o momento financeiro de agora e lançar ao público qualquer produção, pois isto estará, ao meu ver, compromentendo toda uma trajetória em que terá como fim próximo a substituição do agente por outro mais rentável. Portanto, deve o ficcionista impor o seu ritmo e continuar a primar pela sua excelência e não simplesmente se abdicar disso e acabar por cair no ostracismo.

Herasmo Braga

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