Translate

terça-feira, 21 de abril de 2009

Exegese cinematográfica



Tudo que é imagina tem

“A minha missão é revelar a verdade e somente a verdade... seja mentira, seja capturar a mentira. Tocar na cara ou então ensinar a mostrar o que eles não sabem os inocentes...não têm mais inocente... tem esperto ao contrário” essas são as frase iniciais do documentário de Marcos Prado Estarmina. A apresentação inicial do documentário traz aspectos interessantes como as imagens em preto e branco um tanto turva e a música atípica (típica dos países árabes) que nos remete a um mundo, apesar da proximidade espacial, distante, socialmente falando.
Estarmina é a personagem real a ser revelada. Ela divide a sua morada em uma das periferias do Rio de Janeiro e o aterro sanitário da cidade onde retira os elementos que compõe a sua vida. Estes materiais recolhidos e imaginários servem de instrumentalização da logicidade aparente. A apresentação social das condições subumanas em que milhares de pessoas são submetidas em busca da sobrevivência diária, nos faz lembrar ao neorealismo italiano com um única distinção: não há uma estetização da realidade. O teor que permeia a câmera tem como projeção a decadência humana em que os sujeitos são lançados em mundo em pleno consumismo. Em relação a este aspecto, Estermina externaliza uma observação, diz ela:”quem ensinou o homem incondicional ensinou a construir também, ensinou a conservar, não ensinou a trair, humilhar, atirar, ensinou a ajudar”. Estou construção simples de idéias que mais parecem um dos receituários dos livros de auto-ajuda hegemônico no mercado livreiro, vem de uma criatura que sofre diversos distúrbios mentais. Esses distúrbios garantem a Estermina uma singularidade, uma luicidez percorrida por outros caminhos. Nota-se a conscientização diante dos modos vivere de indivíduos retirados pelo meio por não serem dotados de nenhuma serventia social sob a ótica capitalista.
Apesar da mescla entre documentário e cinema no sentido strito do termo, uma das cenas mais interessantes do filme de conteúdo metafórico, advém do enfoque dado aos urubus que sobrevoam o lixão. Com um jogo interessante no uso da imagem quando o quadro é aberto não traz nada de novidade, mas quando a câmera ativa enfoca apenas um em um sobrevôo descontextualizado do chão, traz à tona a temática da liberdade. Essa alusão sirva para referir-se a Estarmina, não com ensejo romantizado de que é na loucura ou na alucinação que se encontra as verdades, mas a possibilidade de pensar além dos dejetos em que ela e de certa maneira nós consumimos e somos consumidos.
Ao final da exibição você se mantém desfocado do estigma da racionalidade. Documentário longo e perturbador, pois mexe com os brios humanos e sociais aos quais estamos vinculados. Vale apena assistir.

Nenhum comentário: