Translate

domingo, 10 de maio de 2009

Ensaio



Literatura, cetiscismo e cinema


Herasmo Braga

Octavio Paz no livro O arco e a lira destaca que a linguagem originou-se da poesia: "a poesia é a memória feita imagem e esta convertida em voz. A outra voz não é a voz do além-túmulo: é a do homem que está dormindo no fundo de cada homem". Com esta consideração passa-se a questionar o que vem a ser realidade e o homem. Observa-se que com assertiva de Octavio Paz, o homem parece distanciar-se de si e da realidade. Assim, um dos possíveis caminhos de retorno ao ser original seria através pela busca da poesia.
Entende-se então através deste anúncio a necessária ficcionalização para o viver social e humano. Essa ficcionalização que até hoje é tida por muitos como apenas uma forma de entretenimento, em nada condiz com a sua real condição. A realidade pára o homem. Com ela o homem deixa de sonhar e de realizar. Viver em mundo ausente de cores é castrar o homem de toda a sua potencialidade criativa e de vontade de viver.
Mas como viver em mundo de perdas de referencias? Esse é o questionamento que inúmeros indivíduos se fazem diante de uma atitude reflexiva. No entanto, acrescento a esta angústia outro viés de que são essas incertezas que movem o mundo, portanto, a dinamicidade da vida encontra-se subjugada, em vários momentos, a essa incessante dúvida sobre tudo. Longe de ser um pensamento modista ou pedante, uma das ações cabíveis neste é momento é tentar entender e relacionar essas dúvidas. É preciso lembrar que muitas destas certezas de outrora, simplificavam o mundo diante de uma única visão: católica, protestante, marxista, comunismo, cientificismo, darwinismo, positivismo e outros ismos. Nestes pensamentos desde da época das suas formulações já fragmentavam o mundo e o seu pensamento, limitando o homem na sua capacidade de pensar e sentir. Portanto, o mundo deve ser pensado dentro da sua complexidade e o melhor a ser feito é vivê-lo. Esse pensamento aproxima-se muito da ação da leitura ficcional não só de livros, mas de outras formas como o cinema em que o que deverá resultar ao final de cada uma das etapas é a vivencia. Assim, as obras ficcionais devem ser consideradas como acúmulo de vivências.
Adverte-se nessa acumulação o discernimento de perceber o que Ecléia Bosi no livro Cultura de Massa e Cultura Popular: leituras de operárias faz sobre cultura popular e cultura erudita. Ela considera em determinados contextos “dois grupos que se defrontam: um, cujas realizações culturais significam socialmente; outro, cujas realizações assumem significação quando postas em oposição à cultura dominante”. Não se pretende aqui travar uma discussão sobre cultura popular x cultura erudita, mas destacar o significado expresso na frase “cujas realizações culturais significam socialmente” é neste aspecto que consiste um dos erros do mundo de capitalização de símbolos que vivenciamos. A vivência clamada nas obras ficcionais é desfeita quando o sentido primeiro é a representação social do individuo, i.e, é preciso que os outros me vejam na livraria, no teatro, no cinema.
Assim diante deste mundo de homogeneização, representação e inflação de valores e não de virtudes, o individuo questiona-se: qual o sentido de viver? Com essa busca de sentido abre-se vissuras para o mercado da auto-ajuda orientem as vidas das pessoas. Mas onde encontrar linhas norteadoras do viver que possam me conduzir na luta diária da sobrivência? Filosoficamente, indica-se na junção de três elementos: ceticismo, literatura e cinema.
Affonso Romano de Sant’anna, em uma crônica denominada Os céticos, lançou o seguinte pensamento: “O ceticismo é o barateamento de uma certa filosofia. O cético não vive, desconfia. Não participa, espia. Não faz, assiste. O cético (em não fazendo nada) se julga melhor que todos os que fazem”. Complementando no final: “Fosse Deus cético e não teria sequer dito fiat. Nem Colombo teria partido para a América com aquelas três caravelas. O cético tem paralisia na alma. O irmão gêmeo do cético é o cínico”. Observa-se o quanto reducionista é o pensamento de Romano de Sant’anna sobre os céticos. No entanto, esse pensamento não é exclusividade de Sant’anna, ele meio que predomina na inteligência brasileira. Confunde-se muito o ceticismo com o niilismo, pessimismo, agnostismo. Todavia, o cerne do pensamento cético consiste na análise das proposições levantadas seguida por uma suspensão de juízo. Essa ação pode ser vista como uma maneira de se manter alheio as decisões, i.e, não se comprometer. Mas deve ser encarada como um processo de aprendizagem necessário em alguns momentos, pois senão vejamos:
Será que se é necessário sempre se tomar partido de algo? Muitas vezes quando realizamos tal ação submete-se ou a lei do convencional, ou a fé cega, ou as circunstâncias. Todas essas situações desprovidas de análise crítica e aprofundada da questão. Ter o posicionamento cético não é acovodar-se, mas realizar um exercício intelectual de estudo dos diversos campos e correntes e se isso não significa não chegar a uma conclusão, como os maiores críticos do cetismo proclamam, mas sim, poder desfrutar do sabor do entendimento sem julgamentos precipitados. Veja um caso clássico dentro do universo ficcional.
O que faz com que inúmeros leitores voltem-se sempre a ler e a discutir os romances machadianos em especial Dom casmurro. Será que se o enigma Capitu não existisse os olhares curiosos seria o mesmo voltado para a obra? A indecisão sobre o comportamento de traição ou não de Capitu realiza a suspensão segura do juízo e eleva os sentidos estéticos e intrigantes da obra. Dentro deste universo há inúmeros outros exemplos, mas o que cabe destacar é a interatividade como a obra, a troca de vivências, a suspensão dos juízo equivocados ou definidores. Vivenciar dentro das indecisões de cada dia, absorver o melhor e se lançar ao aprendizagem esse é o sentimento que deve predominar.

Nenhum comentário: