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sábado, 15 de agosto de 2009

Reflexões historiográficas: os labirintos dos dizeres e pensares


O historiador um homem moderno

Herasmo Braga

... Qual imagem devemos ter do último leitor? Qual o significado tem o leitor no mundo de hoje? Que tipo de intervenção a leitura, ou melhor, a sua pratica insere nos dias?
Questionamentos como esses há séculos vêm à tona no imaginário social, principalmente nos contextos moderno ou pós-moderno. Na contramão no aprofundamento destas inquietações, observamos que a prática da leitura e sua intervenção no mundo vêm sendo diminuídas. Grandes autores, grandes obras e principalmente grandes leitores parecem ter sido expulsos das representações dos dias contemporâneos. A leitura, dizia Ezra Pound, constitui uma arte da réplica que no mundo pragmático, imediatista e midiático tem menor espaço.
O homem moderno é aquele que a cada momento se distancia mais da leitura, da essência da linguagem, que teria tido na poesia o seu surgimento como supõe Octavio Paz em O arco e a lira. A escrita desvincula-se da escritura e aproxima-se do pragmatismo da comunicação em que à marca da eficiência é a exposição objetiva, enxuta e fria da linguagem. Com isso, deixam-se de lado outros elementos realizadores da formação das subjetividades como a descoberta, o encantamento, a imaginação e a reflexão. O leitor borgeniano está fadado ao fracasso, pois mapas de leitura não serão mais estimulados e essa figura que lê mal, distorce, tergiversa passará a ser imagem de outrora. O individuo de hoje se perderá na biblioteca mais por questões do espaço físico do que pelos livros.
O leitor aficionado que ler até pedaços de papel pelas ruas como D. Quixote será mais lembrado pelo ridículo da ação destemperada do que pelo fascínio da qual a leitura proporciona.
Kafka reflete bem esse conjunto de acontecimentos em suas obras. O homem moderno se faz ali presente, não somente como personagem, mas na realização da linguagem. Em seus textos temos as constantes interrupções que torna a leitura suspensa, as passagens inacabadas, os fatos inesperados, as acusações aleatórias, tudo isso faz parte do inconsciente coletivo do homem moderno. Um sujeito fruto da interrupção do mundo, do niilismo desenfreado, das perdas de referências e valores, um constante inacabado, suspenso, preso ao consumo sem limites e em estado permanente estudo da qual irá anular as suas singularidades.
É sob a égide dessas inquietações que proponho uma reflexão sobre o historiador moderno ou pós-moderno e o seu leitor. Aproximo para efeito desta análise as figuras do historiador e do artista. Observa-se primeiramente que as possíveis diferenças entre o historiador e o artista já foram marcadas desde século V a.c com Aristóteles. Dizia ele, toma-se a figura do historiador pela aproximação da sua narrativa com o fato, comprometendo-se somente em descrever o possível e o acontecido, já o segundo, o artista, a ele se daria à liberdade de se relatar o que poderia acontecer, i.e., os possíveis. Com isso, Aristóteles firmava que a aproximação do historiador era com o fato e somente a ele deveria, portanto, se voltar. Enquanto ao artista se dava a liberdade criativa e imaginativa, todos os impossíveis lhe são disponibilizados. Em suma era como se o trabalho de um tivesse a obrigação com a verdade e o outro com a imaginação.
Durante os séculos essa vertente fora mantida, no entanto, essa tradição de discernir o historiador do artista, encontra-se presente apenas nos discursos conservadores, pois a relação do escrever historiográfico não se encontra mais imune à imaginação do historiador, muito menos ele esta comprometido somente com a verdade. O que acontece com nos diz um brilhante texto de Sérgio Buarque de Holanda é que um completo historiador só se fará quando neste estiver presente o espírito de compromisso com a narrativa factual com o acréscimo da sua força imaginativa. Nesta presença da força imaginativa encontram-se no trabalho historiográfico aspectos formativos do sujeito como os traços memorialistas e com eles as suas paixões, seus anseios, seus dizeres. Gilberto Freyre representa bem essa ação construtiva analítica de uma sociedade e de seus aspectos históricos. Hoje revisto, mas antes demonizado, Freyre explorou outros aspectos da formação social brasileira. Privilegiou o cotidiano e os seus afazeres. Expôs de maneira sensual a condição racial brasileira. A ele ridicularizaram ao estereotipá-lo como pensador formador de uma idéia equivocada de miscigenação baseada no mito da democracia racial. Quantas injustiças devem ser revistas...
Hoje, o historiador pauta-se nas analises discursivas. Pesquisa menos e teoriza mais. Teorização que se dá muitas vezes pelo teor especulativo do que a materialização dos dizeres. Esse sentimento de exaustão dos modelos parece atuar de maneira mais intensa sobre os cientistas sociais. Seus falares são mero mosaicos de outros dizeres que causam mais impacto pela confusão do que pelas proposições.
Rever essas posições e buscar soluções que possibilitem um caminhar mais atuante e significativo do trabalho historiográfico deve ser um pensamento constante daqueles que buscam estar em constante formação.

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